quinta-feira, 8 de abril de 2021

Os Cus de Judas

Nunca tinha lido António Lobo Antunes, até hà duas semanas quando precisei de ler Os Cus de Judas por conta de um trabalho de Literatura e Cultura Portuguesa. E ainda não sei se fiquei fã do tipo de escrita do autor, mas fiquei de boca aberta...E passo de imediato a resumir o que li.


            Quando se inicia a leitura desta obra e se nunca se leu nada deste autor, estranha-se a forma como a escrita é apresentada, como se um excesso de adjetivos e substantivos que não fazem parte do assunto ou das frases apresentadas, fossem escolhidos com a intenção de nos assoberbar de informação e nos dificultar o entendimento da mensagem, como se ela não fosse para nós entendermos, mas para catarse do autor. Com a continuação da leitura, como se nos habituássemos a esses excessos, começamos a dar-nos conta da riqueza de vocabulário e da forma inteligente como ele é incluído em determinadas partes do texto, como se não lhes pertencesse, mas necessário para afinal entendermos o que o autor nos quer dizer e sentíssemos um pouco aquilo que ele próprio sente. Sendo o sujeito da enunciação o autor da obra, é a personagem principal que nos fala e nos conta as suas experiências, obsessões e saudades da guerra, da infância, da sua vida no meio de tudo isso. Este falar sucede muitos anos após a guerra, como se passado todo aquele tempo, ainda houvesse necessidade ou só agora houvesse coragem para desabafar, para esquecer sem querer esquecer pois relembra cada situação vivida. Uma vez que a fala do interlocutor, ou seja, da “mulher naquele encontro de uma noite” não acontece e só supomos que “ela fala” quando o narrador-personagem responde a uma pergunta dela repetindo a pergunta, podemos imaginar que em algum ponto somos nós, os leitores, essa mulher e que a narrativa das memórias e do sentir atual é para nós que o lemos.

                Existe ao longo de toda a narrativa o contar de uma ação que decorre entre diferentes níveis temporais que se intercalam e se misturam. Como se a infância de que sente saudade, a guerra, ou as memórias da guerra de que quer “lavar-se” e a sua vida atual, fizessem parte do seu todo e como um todo não podem ser separados, nem em tempos de narrativa.

                Os espaços de maior relevo na narrativa são os espaços (Os Cus de Judas) onde a guerra foi vivenciada pelo narrador-personagem. O pouco tempo que se transformou em muito, pela brutalidade da experiência, vai ocupar todo o seu ser ou estar futuro e por isso sempre presente na narrativa, seja como memória pura, seja como comparação com infância e atualidade e vai ocupar a maior parte do espaço, onde são as mulheres “a” personagem que mais se destaca na narrativa. As mulheres da sua infância, as mulheres da altura da guerra e as mulheres que já fizeram e agora não fazem parte da sua vida atual.

                Ao longo desta narrativa podemos ter acesso, através das memórias do narrador-personagem, a diferentes Áfricas e a forma como ele lida com elas. A grandeza e beleza do espaço natural que o impressiona e deslumbra; a tristeza do espaço colonizado, desrespeitado e o espaço de guerra. Uma guerra sem razão, sem fundamento lícito, como se a guerra necessitasse de um fundamento lícito para ser mais correta e justificada e como espaço de sofrimento e desespero e momentos de tédio para os que lá estão a morrer, a lutar e a esperar.

                Podemos ver nesta obra que embora afastado de parte do que o fez sofrer, o narrador-personagem vive cada sofrimento como se ele ainda estivesse vivo e a queimar. Cada ponto que recorda é um ponto que o pode ainda magoar, porque a guerra o transformou, não em insensível, mas em alguém que sente mais ainda, pois ao relembrar é como se vivenciasse, de novo, cada memória. Não só pelas memórias que não se desvanecem e ainda magoam, o tipo de experiências que o narrador viveu em que a morte era mais “quando” ou “como” do que “se”, esculpem uma vida em que nada que se viva no presente tem comparação ou até importância se comparado com elas.

                A posição ideológica que transpira desta narrativa é de anticolonialismo, pela destruição psicológica e física que os colonizados e terras colonizadas sofreram e antiguerra colonial, como uma guerra sem motivo e que apenas serviu. segundo o autor, “para manter cheios os bolsos de algumas poucas, famílias que apoiavam o regime da altura”.