Nunca tinha lido António Lobo Antunes, até hà duas semanas quando precisei de ler Os Cus de Judas por conta de um trabalho de Literatura e Cultura Portuguesa. E ainda não sei se fiquei fã do tipo de escrita do autor, mas fiquei de boca aberta...E passo de imediato a resumir o que li.
Quando se inicia a leitura desta obra e se nunca
se leu nada deste autor, estranha-se a forma como a escrita é apresentada, como
se um excesso de adjetivos e substantivos que não fazem parte do assunto ou das
frases apresentadas, fossem escolhidos com a intenção de nos assoberbar de
informação e nos dificultar o entendimento da mensagem, como se ela não fosse
para nós entendermos, mas para catarse do autor. Com a continuação da leitura,
como se nos habituássemos a esses excessos, começamos a dar-nos conta da
riqueza de vocabulário e da forma inteligente como ele é incluído em
determinadas partes do texto, como se não lhes pertencesse, mas necessário para
afinal entendermos o que o autor nos quer dizer e sentíssemos um pouco aquilo
que ele próprio sente. Sendo o sujeito da enunciação o autor da obra, é a
personagem principal que nos fala e nos conta as suas experiências, obsessões e
saudades da guerra, da infância, da sua vida no meio de tudo isso. Este falar
sucede muitos anos após a guerra, como se passado todo aquele tempo, ainda
houvesse necessidade ou só agora houvesse coragem para desabafar, para esquecer
sem querer esquecer pois relembra cada situação vivida. Uma vez que a fala do
interlocutor, ou seja, da “mulher naquele encontro de uma noite” não acontece e
só supomos que “ela fala” quando o narrador-personagem responde a uma pergunta
dela repetindo a pergunta, podemos imaginar que em algum ponto somos nós, os
leitores, essa mulher e que a narrativa das memórias e do sentir atual é para
nós que o lemos.
Existe
ao longo de toda a narrativa o contar de uma ação que decorre entre diferentes
níveis temporais que se intercalam e se misturam. Como se a infância de que
sente saudade, a guerra, ou as memórias da guerra de que quer “lavar-se” e a
sua vida atual, fizessem parte do seu todo e como um todo não podem ser separados,
nem em tempos de narrativa.
Os
espaços de maior relevo na narrativa são os espaços (Os Cus de Judas) onde a guerra foi
vivenciada pelo narrador-personagem. O pouco tempo que se transformou em muito,
pela brutalidade da experiência, vai ocupar todo o seu ser ou estar futuro e
por isso sempre presente na narrativa, seja como memória pura, seja como
comparação com infância e atualidade e vai ocupar a maior parte do espaço, onde
são as mulheres “a” personagem que mais se destaca na narrativa. As mulheres da
sua infância, as mulheres da altura da guerra e as mulheres que já fizeram e
agora não fazem parte da sua vida atual.
Ao
longo desta narrativa podemos ter acesso, através das memórias do
narrador-personagem, a diferentes Áfricas e a forma como ele lida com elas. A
grandeza e beleza do espaço natural que o impressiona e deslumbra; a tristeza do
espaço colonizado, desrespeitado e o espaço de guerra. Uma guerra sem razão,
sem fundamento lícito, como se a guerra necessitasse de um fundamento lícito
para ser mais correta e justificada e como espaço de sofrimento e desespero e
momentos de tédio para os que lá estão a morrer, a lutar e a esperar.
Podemos
ver nesta obra que embora afastado de parte do que o fez sofrer, o
narrador-personagem vive cada sofrimento como se ele ainda estivesse vivo e a queimar.
Cada ponto que recorda é um ponto que o pode ainda magoar, porque a guerra o
transformou, não em insensível, mas em alguém que sente mais ainda, pois ao
relembrar é como se vivenciasse, de novo, cada memória. Não só pelas memórias
que não se desvanecem e ainda magoam, o tipo de experiências que o narrador
viveu em que a morte era mais “quando” ou “como” do que “se”, esculpem uma vida
em que nada que se viva no presente tem comparação ou até importância se
comparado com elas.
A
posição ideológica que transpira desta narrativa é de anticolonialismo, pela
destruição psicológica e física que os colonizados e terras colonizadas
sofreram e antiguerra colonial, como uma guerra sem motivo e que apenas serviu.
segundo o autor, “para manter cheios os bolsos de algumas poucas, famílias que
apoiavam o regime da altura”.
1 comentário:
Foi das primeiras obras de Lobo Antunes e li-a há muito tempo.
Como está, Maria joão? Por aqui bem, e quase todos vacinados. Falto eu. A disposição para blogar é pouca e abri uma conta no Instagram, espaço pouco exigente. Se quiser encontrar-me estou aqui:
https://www.instagram.com/ninapereira4305/
Beijinhos
Enviar um comentário