terça-feira, 8 de outubro de 2019

Desafio de escrita dos pássaros #4




A palavra soou como um estrondo embora tenha sido dita em voz baixa.
Ecoou na sala. Um eco de resposta demorada que só se fez sentir quando todos se calaram e o silencio invadiu a sala. Não sei se foi o eco da palavra, ou o silêncio que ela provocou que fizeram mais ruido.
Como os líquidos escorrem pelas paredes quando se atira uma garrafa contra elas, era assim que o eco escorria pelo silêncio. Como se fosse sujo, mas não era, como se cheirasse a álcool, mas não cheirava, como se fizesse lembrar qualquer coisa infame, mas não lembrava, como se fosse deixar uma marca, um rasto por onde passava. E deixou.
Quem ouviu, deixou a palavra escorrer, para melhor tomar consciência do que fora dito.
Quando o eco deixou de se ouvir, o silencio manteve-se e todos os rostos se voltaram, uns para os outros. Ironicamente, não se atreviam a olhar para a pessoa que dissera a palavra, como se assim não a tornassem real, palpável e ainda tivessem esperança que tivesse sido só impressão, uma má impressão. Preferiram olhar uns para os outros, incomodados e confusos.
Ao aperceber-se da ação que a palavra tomara, a sua autora repetiu a palavra, desta vez mais alto, para que não voltasse a haver nem dúvidas, e repetiu para que não houvesse tempo de a deixarem escorrer pela parede, a tentar perceber onde ir encaixar aquela resposta.
Toda a vida, havia dito que sim. Sim às ordens, sim aos desafios, sim às perguntas, sim às opiniões dos outros, sim… sim… como se só os outros importassem.
Desta vez, experimentou o não. Beatriz disse não a uma coisa tão simples, tão básica, tão triste e sentiu-se completa, profunda, feliz.
E o que os outros pensavam disso, não lhe importava. Que arranjassem mais alguém para dizer sim, porque agora ela passaria a dizer não!

5 comentários:

Belinha Fernandes disse...

Olá! Só agora comecei a ler os Desafios depois de um fim de semana atribulado! Adorei este pedacinho de escrita!"Como os líquidos escorrem pelas paredes quando se atira uma garrafa contra elas, era assim que o eco escorria pelo silêncio. " Isto é magnifico e o aproveitamento desta ideia foi tão bem exlorado. Pena que tivesse acabado, mas, lá está, a Beatriz assim quis!

José da Xã disse...

Muito bom! Parabéns pelo texto.

Ana de Deus disse...

gostei muito do misterioso implícito ;)

stiletto disse...

Texto muito, muito bom! Parabéns

Miluem disse...

Um texto misterioso, muito bom :)