quinta-feira, 2 de setembro de 2021

Novas leituras

 A aproximação do início de mais um semestre traz a necessidade de conhecer matérias e novas leituras obrigatórias ou aconselhadas. 

Tenho dado por mim a ler obras que nunca me passariam pela cabeça ler, umas que são uma grata surpresa outras apenas uma surpresa e resolvi partilhar com quem passa por aqui as últimas três descobertas (para mim).

José Eduardo Agualusa nasceu na cidade do Huambo, Angola em 1960 e entre as várias obras escritas e premiadas, aqui está Nação Crioula. Este livro conta a história de um amor secreto: a misteriosa ligação entre o aventureiro português Carlos Fradique Mendes e Ana Olímpio Vaz de Caminha que tendo nascido escrava foi uma das pessoas mais ricas e poderosas de Angola.

Esta história com o nome do último navio negreiro que viajou de África para o Brasil.chega-nos através de cartas que Fradique escreveu ao longo de vinte anos dirigidas à sua madrinha Madame de Jouarre, ao seu amigo Eça de Queiroz e à mulher amada Ana Olímpia. 

Podemos considerar que este livro está dividido em duas partes - uma que é a correspondência de Fradique e outra que como sendo uma conclusão é uma carta de Ana Olímpio a Eça de Queiroz onde nos são dados a conhecer alguns detalhes que Fradique não menciona nas suas cartas, alguns deles porque ocorreram depois da sua morte. A escravatura e a colonização do Brasil são a par da história de amor e dela fazendo parte integrante, os temas das cartas escritas.

A dada altura, numa das cartas Fradique conta que ouviu um marinheiro cantar a letra de uma poesia de Castro Alves chamada Navio Negreiro que partilho aqui:

Senhor Deus dos desgraçados! 
Dizei-me vós, Senhor Deus! 
Se é loucura... se é verdade 
Tanto horror perante os céus?! 
Ó mar, por que não apagas 
Co'a esponja de tuas vagas 
De teu manto este borrão?
... Astros! noites! tempestades! 
Rolai das imensidades! 
Varrei os mares, tufão!



Mia Couto nasceu na Beira em Moçambique em 1955. Foi jornalista, professor, biólogo e escritor.

Esta obra consta de 12 contos onde nos são mostrados fragmentos curtos e profundos das vidas do povo moçambicano. Não sendo possível estabelecer preferências, porque não foram contadas para nós preferirmos ou "despreferirmos" tive uma preferida "A história dos aparecidos". 
Depois de umas cheias que levaram gentes e bens, dois homens que tinham sido levados pela corrente e supostamente tinham morrido, voltaram à aldeia. A confusão que a sua volta originou, está bem presente em todo o conto e passo a transcrever duas "falas" que nos mostram como as pessoas deixam de fazer parte de um grupo e quando voltam a sua reintegração, que neste caso deveria ser feliz é muito complicada e incómoda.
- Não interessa se morreram completamente. Se estão vivos ainda é pior. Era melhor terem aproveitado a água para morrerem-se.
E uma outra, onde depois de os aceitarem de volta, como fazendo parte do mundo dos vivos e como tal tendo direitos, os alertaram:
- Mas os dois aparecidos é bom serem avisados que não devem repetir essa saída da aldeia ou da vida ou seja lá de onde. Aplicamos a política de clemência, mas não iremos permitir a próxima vez.

Vou terminar com uma frase que está na contracapa do livro e nos diz: 

"O que mais dói na miséria é a ignorância que ela tem de si mesma".




Pepetela, pseudónimo de Artur Pestana, nasceu em Benguela, Angola em 1941.  Licenciado em Sociologia foi representante do MPLA e ajudou a criar o Centro de Estudos Angolanos.

Esta obra é constituida por 5 contos e mais não posso dizer porque tendo sido a que mais me custou encontrar para comprar, ainda não a li, mas tenciono fazê-lo brevemente.


segunda-feira, 30 de agosto de 2021

What's in my bag






Não vou mostrar o que tenho na minha mala pois acredito que não interesse a ninguém, mas vou comentar esta rubrica youtube, que é uma daquelas rubricas onde nada se aprende e serve apenas para confirmar suspeitas ou alimentar a curiosidade alheia e é das mais populares nos canais Youtube.

Costumamos traduzir esta rubrica como “O que está na minha mala” ou mais acertadamente “O que levo na minha mala” e que para ser 100% correto deveria ser “O que carrego na minha mala”. Senão vejamos:

Continuamente se apela aos pais que verifiquem as mochilas escolares dos seus filhos de forma a evitar que seja carregado peso em excesso. Os pais, por sua vez, apelam às escolas que permitam que os livros escolares fiquem nas escolas o que raramente tem resposta positiva porque os T.P.C. normalmente necessitam dos livros para apoio.

Mas já alguém se levantou contra o peso que as malas femininas normalmente carregam?

É um facto que todas as mulheres apreciam a sua bela mala. Umas mais que outras, claro. Umas que usam malas a combinar em cada detalhe com a roupa, outras que mudam de mala apenas em cada estação, outras que não mudam a não ser quando a mala pede reforma, mas tirando uma mulher que conheci e não usava mala (o que eu achava extraordinário!) todas gostam de usar, mesmo que não seja diariamente ou em todas as ocasiões.  E é assim que o problema se levanta, porque além dos básicos há toda uma parafernália de artigos que as malas das mulheres carregam.

Pessoalmente gosto de malas de tamanho médio/grande, que permitam acomodar e procurar sem aflição o seu conteúdo. Há básicos essenciais e também há aqueles extras que dependem do gosto de cada pessoa. O importante é que haja nas malas tudo que for preciso, mesmo que nunca seja preciso… é essa a ideia, não é?

Atualmente trabalho a uma distância de casa que me permite ir e vir a pé. Por isso comecei aos poucos a trocar as malas grandes por malas mais pequenas… E a coisa até estava bem encaminhada, pois usava uma mala pequena onde conseguia meter o básico essencial. Mas a saudade de uma mala grande bateu-me à porta e de tal forma que resolvi terminar de vez um saco em tecido que começara há uns cinco ou seis anos, colocar as asas que era o que faltava e um dia troquei a mala pequena por ele. Tudo cabia tão bem, tão à vontade que achei melhor acrescentar mais umas coisitas, os tais extras. Gostei muito do resultado, mas no primeiro dia que a usei concluí que havia motivo para ter abdicado das malas grandes neste meu percurso diário. Não preciso! O que poderei precisar não vou usar no caminho a pé para o trabalho ou para casa! E mais, não tenho energia para andar a carregar malas cheias!

Resolvi cortar o mal pela raiz. Troquei o saco por uma mala, ainda mais pequena do que as que usava ultimamente, adaptei o tamanho dos conteúdos básicos (carteira, bolsa de óculos) para caberem nesta mala e vim feliz e contente, como se costuma dizer. Leve com toda a certeza.

Esta opção durou apenas um dia, como a da mala grande. A mala é tão pequena que os essenciais não cabem todos e embora me tivesse sabido bem a quase liberdade, retomei a minha mala pequena de há uns meses a esta parte, mas ligeiramente maior.

E vocês? São meninas de malas grandes, pequenas ou não usam mala?...

sexta-feira, 27 de agosto de 2021

Cozinha de novo...

 Já aqui frisei várias vezes que este não é um blogue de decoração e que há pouco tempo até tinha decidido que mudaria um pouco os contéudos, mas depois de uma visita rápida pelo blogue para matar saudades (quem nunca?) me dei conta de que a "minha cozinha" é uma rubrica que se repete amiúde. 

Não é de facto o meu sonho de cozinha, mas vou fazendo o que posso para a manter a meu gosto. Ainda tem algumas coisas por renovar, mas vai indo e era esse "vai indo" que gostaria de partilhar aqui e agora e não posso prometer que seja pela última vez.

Num prédio com cerca de 40 anos, numa altura em que o belo do azulejo quanto mais rebuscado no seu padrão mai'lindo, as cozinhas do prédio primam pela diversidade. São nove apartamentos e acho que se repetem de duas em duas cozinhas os padrões.

Para colmatar essa beleza comecei por mudar a cor dos armários que eram carvalho escuro e estavam com falta de verniz pintando-os de bege.

Não foi este bege o primeiro mas é para verem como ficava com os azulejos existentes.

Cansada do ar mortiço e deslavado um dia decidi pintar os armários de verde.
Gostei muito da cor e durante uns anos andou assim, mas porque os azulejos continuavam a não ajudar, há dois anos resolvi voltar ao bege (embora num tom mais claro). Uma semana depois de os ter pintado, tomei a decisão de que os azulejos também precisavam de ser pintados (finalmente).

Não me atrevi a pintar a área do fogão que é um canto porque tive receio do calor que ali se produz. A ideia é forrar a parede daquela área com algum tipo de placa resistente e lavável.

Com a pintura dos azulejos, arrependi-me de ter tirado a cor dos armários e este ano andei a inspirar-me no Pinterest e meti na cabeça que ia pintar os armários de azul. Não queria muito escuro, porque a cozinha não é muito grande e gosto de cor e escolhi, depois de muita escolha sem resultados uma tinta com acabamento brilhante que na amostra que me deram me parecia muito bem.


Gostei tanto que duas semanas depois raspei e lixei a tinta toda e na última semana de férias fiquei com uns armários quase novos e num tom de verde tão claro que em algumas das fotos que tirei e descartei pareciam brancos.



Parece quase uma cozinha nova e à noite quando as luzes estão acesas parece que tudo se ilumina.
Há coisas que se repetem em cada fase de cor de armários e eventualmente irão mudar (refiro-me aos pratos no cimo do armário), mas depois de uma semana com uma empreitada daquelas nem o resultado final me deu ânimo para refrescar a decoração.

Estou muito satisfeita e acredito que irá ficar assim, dessa cor, alguns anos...










quinta-feira, 15 de julho de 2021

Dom Quixote de La Mancha

 


A obra narra as aventuras e desventuras de Dom Quixote, um homem de meia idade que resolveu se tornar cavaleiro andante depois de ler muitos romances de cavalaria. Providenciando cavalo e armadura, resolve lutar para provar seu amor por Dulcineia de Toboso, uma mulher imaginária. Consegue também um escudeiro, Sancho Pança, que resolve acompanhá-lo, acreditando que será recompensado.

Quixote mistura fantasia e realidade, se comportando como se estivesse em um romance de cavalaria. Transforma obstáculos banais (como moinhos de vento ou ovelhas) em gigantes e exércitos de inimigos.

É derrotado e espancado inúmeras vezes, sendo batizado de "Cavaleiro da Fraca Figura", mas sempre se recupera e insiste nos seus objetivos.

Só volta para casa quando é vencido em batalha por outro cavaleiro e forçado a abandonar a cavalaria. Longe da estrada, fica doente e acaba morrendo. Nos seus momentos finais, recupera a consciência e pede perdão aos seus amigos e familiares.

Este foi mais uma das obras que nunca tinha lido (infelizmente) e foi uma grata surpresa.

Escrito numa altura em que o Modernismo estava a assentar raízes foi uma crítica à crítica que se fazia aos romances de cavalaria que se diziam não serem bons para a mente e fazerem com que os seus leitores tivessem os interesses literários mal encaminhados.

Só para complemento deixo aqui a transcrição de uma parte de um comentário feito dentro de uma análise da obra em questão:

Na época medieval existiram narrativas denominadas romances de cavalaria, em que o termo ‘romance’ não tem que ver com o do século XIX, nem com o actual. O uso desse termo deriva do facto de as narrativas serem escritas em romance, ou seja, em línguas românicas, vernáculas, e não em latim.

O Romance, tal como o entendemos hoje, é um sub-género literário que pertence ao género Narrativa e que nasceu em finais dos século XVIII.

Por isso é que a obra de Cervantes é o início de uma nova modernidade: anuncia, avant la lettre, o futuro Romance e subverte, por vários motivos e em vários planos, as narrativas medievais, os denominados romances de cavalaria.

quinta-feira, 17 de junho de 2021

O Monte dos Vendavais

 

O Monte dos Vendavais é uma das grandes obras-primas da literatura inglesa. Único romance escrito por Emily Brontë, é a narrativa poderosa e tragicamente bela da paixão de Heathcliff e Catherine Earnshaw, de um amor tempestuoso e quase demoníaco que acabará por afectar as vidas de todos aqueles que os rodeiam como uma maldição. Adoptado em criança pelo patriarca da família Earnshaw, o senhor do Monte dos Vendavais, Heathcliff é ostracizado por Hindley, o filho legítimo, e levado a acreditar que Catherine, a irmã dele, não corresponde à intensidade dos seus sentimentos. Abandona assim o Monte dos Vendavais para regressar anos mais tarde disposto a levar a cabo a mais tenebrosa vingança. Magistral na construção da trama narrativa, na singularidade e força das personagens, na grandeza poética da sua visão, nodoso e agreste como a raiz da urze que cobre as charnecas de Yorkshire, O Monte dos Vendavais reveste-se da intemporalidade inerente à grande literatura.


Neste meu percurso que fez com que lesse livros que em outra altura não iria ler, este foi mais um deles, de entre muitos. É um daqueles clássicos que toda a gente deve ler ou já deve ter lido.

Mas que eu apenas li agora com mais de meio século de vida, porque foi livro que nunca me chamou, não é o meu género de leitura preferido, mas embora não pense voltar a ler, devo dizer que é muito bom. Toda a trama está magistralmente apresentada e os personagens são tão "reais" que cheguei a odiar alguns deles.

Partilho a análise à obra, aproveitando para dizer que é de facto, a forma como a autora nos apresenta cada personagem que nos provoca as emoções que nos levam a amar ou a odiar essa personagem, como se estivessemos em algum momento a confrontá-la ou a ser confrontados por ela. É essa mestria que dá a certas obras, esta incluída, o nome de obra-prima.

Publicado em 1847 sob o pseudonimo de Ellis Bell Wuthering Heights é uma obra  prima da literatura inglesa que na altura em que foi escrita, dada a violencia e a paixão narrada levou a que os críticos acreditassem que tinha de facto sido escrito por um homem, em especial porque foi escrita numa altura em que as mulheres não tinham voz, ou não deveriam ter, pelo menos. Emily Bronte ultrapassou esse fato e até nos mostrou o papel das mulheres da época e uma crítica a esse papel, através das personagens femininas e do seu papel na narrativa.

Foi o único livro escrito pela autora Emily Bronte que pareceu transcrever para os cenários da sua obra, a atmosfera do lugar onde vivia.

Estamos perante uma narrativa polifónica que nos é apresentada por dois narradores-personagens. O primeiro que inicia a narração é Lockwood, inquilino de Heathcliff, na Granja de Trushcross, que por sua vez nos apresenta Helen Dean, a sua governanta, sendo através desta que tomamos conhecimento do que aconteceu 18 anos antes.

A autora cria personagens de carater forte e destemido, onde a paixão e o desejo de vingança andam de mãos dadas. Heathcliff uma das duas personagens principais, cresce maltratado pelo irmão adotivo sem se manifestar contra os abusos, como se o relacionamento com Catherine fosse uma compensação para todos os maus tratos que servirão de justificação para, anos mais tarde se vingar, de alguma maneira, de todas as pessoas com quem, por algum motivo, se cruzou. Hindley porque o maltratava, recebeu a vingança post mortem na pessoa do seu único filho que foi criado por Heathcliff como um escravo;  Edgar porque casou com Catherine, recebeu a vingança na pessoa da filha de ambos quando Heathcliff arranjou para que ela se casasse com o primo, seu filho e de Isabella a quem desposara para magoar Catherine; e a própria Catherine a quem desejou que nunca descansasse, nem depois de morta, enquanto ele fosse vivo.

                - Oxalá acorde em tormento! – gritou com assustadora veemência, batendo o pé e gemendo    num inesperado paroxismo de incontrolável paixão – Foi mentirosa até ao fim! Onde está     ela?... Catherine Earnshaw que não descanses enquanto eu viver!

A continuação do desabafo, diz-nos que o desejo de vingança é apenas por amor e pela dor por ter ficado só,  pois não suporta viver sem ela. Se alguma dúvida houvesse que de que as ações de Heathcliff têm como razão o amor que sente por Catherine, seja ele doce ou amargo, ficavam clarificadas.

                - Fica sempre comigo, toma qualquer forma, enloquece-me, mas não me deixes neste abismo onde não te posso encontrar! Oh, Deus, é indízivel! Eu não posso viver sem a minha                vida! Eu não posso viver sem a minha alma!

Conseguimos perceber ao longo da narrativa que Helen Dean, ou Nelly como Catherine lhe chamava, é a única pessoa que cresce a par e ao lado de todos os personagens e contra quem Heathcliff não tem qualquer ato de vingança, já que ela é a pessoa que serve de ligação entre ele e uns e outros.

Esta obra tem todas as carateristicas do período romântico, em que as emoções e a instrospeção guiam o individuo que sente e pensa no que sente. A riquísima linguagem e a narrativa complexa a par das personagens, leva-nos para dentro da narrativa e sentimos que embora sendo personagens mais do que secundárias, já que não afetamos nenhuma parte da narrativa, o que lhes toca toca-nos a nós e acabamos por fazer parte do local e do tempo e sofrer com as personagens alguns dos seus sofrimentos.


quarta-feira, 16 de junho de 2021

A Costa dos Múrmurios

 

Nesta obra a "voz e o olhar responsável pela narração do sucedido" pertence a Eva Lopo que ao longo da narrativa vai desenvolver e até alterar parte do que é contado na primeira parte da obra. Digo "contado", porque se trata de um conto, uma narrativa curta com um título e a palavra fim no final. Este conto é como uma introdução ao que será desenvolvido mais tarde, quando Eva recorda o que se passou nessa altura.

O cenário da ação é Moçambique na cidade da Beira, pelos anos sessenta, realçando o hotel Stella Maris num complemento à presença das famílias dos oficiais, mulheres e filhos, que os tinham acompanhado na deslocação para Moçambique para a guerra, para serem um desdobramento da ideia de família que o regime queria manter e incentivava como apoio e defensora da moral. 

Os personagens principais são Eva e Helena. O marido de Eva o alferes Luís Alex e o capitão Jaime Forza Leal e o jornalista Álvaro com quem Eva terá uma espécie de relacionamento. não são personagens principais no entanto é por conta delas que algumas das situações se desenrolam e servem para reforçar o inconformismo da personagem principal.

Eva Lopo mostra-se como uma mulher inconformada com a vida de esposa de oficial de guerra e questiona quantos a rodeiam sobre a necessidade de se fazer mais e melhor, mas não aquilo que se faz. Não se considera parte daquele mundo, mas em algumas situações conforma-se com ele; Helena é uma mulher que "aprendeu" pela força a ser submissa à vontade de um marido déspota e abusador; O capitão Jaime Forza Leal é o protótipo dos homens que naquela época eram os reis da casa e queriam ser os reis do mundo, à custa da individualidade e do respeito de todos os que o rodeavam; o alferes Luís Alex, embora fosse um homem da mesma época era mais contido nos seus desejos de mandar na mulher, respeitando-a, mas por vezes deixava transparecer o desejo de ser como o capitão a quem idolatrava.

A maior diferença entre as duas obras a apreço, além das famílias existentes n' A Costa dos Múrmurios e nunca em Os Cús de Judas prende-se com o facto de que António Lobo Antunes a anos e quilómetros da guerra nos transporta diretamente para o espaço de guerra, para os traumas e os dias dos soldados e de todos quantos estiveram envolvidos nela e, Lídia Jorge nos põe às portas da guerra, nos anos da guerra e mostra-nos, através de Eva, a vida dos que estavam fora do teatro de guerra, vivendo as suas próprias guerras, enqquanto esperavam os que iam à guerra.

Podemos ver uma semelhança entre as duas obras na espécie de diálogo existentes numa e noutra. Em Os Cús de Judas o narrador-personagem fala com alguém que sabemos que o ouve e que por vezes lhe responde (sabemos isto pelas próprias palavras dele) e em A Costa dos Múrmurios a narradora-personagem está a falar com alguém, que é o autor do conto da primeira parte da obra, desenvolvendo ou contrariando ideias antes expostas. Neste caso o diálogo faz-se a partir do conto como questões e da narrativa do romance como respostas.

Concluo com uma pequena análise ao título que nos diz que os vozes altas, que se deveriam fazer ouvir contra a guerra, contra as situações que se viviam, contra a estadias das famílias não eram mais do que múrmurios que mal se ouviam. Eram as queixas dos que viviam as situações, dos que as viam ser vividas por outros e era ao mesmo tempo os múrmurios dos que na pátria, não se revoltavam contra a guerra colonial e se calavam.

Nota: Fiz uma pequena comparação entre as duas obras porque as duas fizeram parte de um contexto que me obrigou a lê-las. Não são livros que volte a ler, mas foram uma mais valia para percebermos a literatura pós-guerra colonial.

quinta-feira, 8 de abril de 2021

Os Cus de Judas

Nunca tinha lido António Lobo Antunes, até hà duas semanas quando precisei de ler Os Cus de Judas por conta de um trabalho de Literatura e Cultura Portuguesa. E ainda não sei se fiquei fã do tipo de escrita do autor, mas fiquei de boca aberta...E passo de imediato a resumir o que li.


            Quando se inicia a leitura desta obra e se nunca se leu nada deste autor, estranha-se a forma como a escrita é apresentada, como se um excesso de adjetivos e substantivos que não fazem parte do assunto ou das frases apresentadas, fossem escolhidos com a intenção de nos assoberbar de informação e nos dificultar o entendimento da mensagem, como se ela não fosse para nós entendermos, mas para catarse do autor. Com a continuação da leitura, como se nos habituássemos a esses excessos, começamos a dar-nos conta da riqueza de vocabulário e da forma inteligente como ele é incluído em determinadas partes do texto, como se não lhes pertencesse, mas necessário para afinal entendermos o que o autor nos quer dizer e sentíssemos um pouco aquilo que ele próprio sente. Sendo o sujeito da enunciação o autor da obra, é a personagem principal que nos fala e nos conta as suas experiências, obsessões e saudades da guerra, da infância, da sua vida no meio de tudo isso. Este falar sucede muitos anos após a guerra, como se passado todo aquele tempo, ainda houvesse necessidade ou só agora houvesse coragem para desabafar, para esquecer sem querer esquecer pois relembra cada situação vivida. Uma vez que a fala do interlocutor, ou seja, da “mulher naquele encontro de uma noite” não acontece e só supomos que “ela fala” quando o narrador-personagem responde a uma pergunta dela repetindo a pergunta, podemos imaginar que em algum ponto somos nós, os leitores, essa mulher e que a narrativa das memórias e do sentir atual é para nós que o lemos.

                Existe ao longo de toda a narrativa o contar de uma ação que decorre entre diferentes níveis temporais que se intercalam e se misturam. Como se a infância de que sente saudade, a guerra, ou as memórias da guerra de que quer “lavar-se” e a sua vida atual, fizessem parte do seu todo e como um todo não podem ser separados, nem em tempos de narrativa.

                Os espaços de maior relevo na narrativa são os espaços (Os Cus de Judas) onde a guerra foi vivenciada pelo narrador-personagem. O pouco tempo que se transformou em muito, pela brutalidade da experiência, vai ocupar todo o seu ser ou estar futuro e por isso sempre presente na narrativa, seja como memória pura, seja como comparação com infância e atualidade e vai ocupar a maior parte do espaço, onde são as mulheres “a” personagem que mais se destaca na narrativa. As mulheres da sua infância, as mulheres da altura da guerra e as mulheres que já fizeram e agora não fazem parte da sua vida atual.

                Ao longo desta narrativa podemos ter acesso, através das memórias do narrador-personagem, a diferentes Áfricas e a forma como ele lida com elas. A grandeza e beleza do espaço natural que o impressiona e deslumbra; a tristeza do espaço colonizado, desrespeitado e o espaço de guerra. Uma guerra sem razão, sem fundamento lícito, como se a guerra necessitasse de um fundamento lícito para ser mais correta e justificada e como espaço de sofrimento e desespero e momentos de tédio para os que lá estão a morrer, a lutar e a esperar.

                Podemos ver nesta obra que embora afastado de parte do que o fez sofrer, o narrador-personagem vive cada sofrimento como se ele ainda estivesse vivo e a queimar. Cada ponto que recorda é um ponto que o pode ainda magoar, porque a guerra o transformou, não em insensível, mas em alguém que sente mais ainda, pois ao relembrar é como se vivenciasse, de novo, cada memória. Não só pelas memórias que não se desvanecem e ainda magoam, o tipo de experiências que o narrador viveu em que a morte era mais “quando” ou “como” do que “se”, esculpem uma vida em que nada que se viva no presente tem comparação ou até importância se comparado com elas.

                A posição ideológica que transpira desta narrativa é de anticolonialismo, pela destruição psicológica e física que os colonizados e terras colonizadas sofreram e antiguerra colonial, como uma guerra sem motivo e que apenas serviu. segundo o autor, “para manter cheios os bolsos de algumas poucas, famílias que apoiavam o regime da altura”.

 


segunda-feira, 15 de março de 2021

Os Livros São Relíquias...

 ... literalmente.


Na semana passada resolvi fazer uma limpeza decente na minha estante dos livros. Aquelas limpezas em que tiramos os livros todos, aspiramos estante e livros e repomos em outra posição ou ordem e que alcança até as prateleiras menos vistas, onde se guardam as "relíquias".
Entre duas pilhas de livros velhos, daqueles que guardamos porque sim, porque não somos pessoas de nos desfazermos de livro nenhum, reencontrei estes de que, sinceramente, já nem me lembrava.

NOTA: É importante esclarecer que quando os livros me chegaram às mãos, há quase meio século, já estavam exatamente neste estado com que se apresentam. 

Gostei de os reencontrar e tive de partilhar com vocês.
Devia ter entre os meus dez ou doze anos quando li alguns estes livros. Esses reli-os nos anos seguintes, se calhar mais de uma vez e depois foram continuando comigo e não os voltei a ler, outros li pela primeira vez já mais crescida. Sinceramente até houve uma altura em que estavam confinados numa arrecadação e só quando comprei as estantes que tenho agora, os fui buscar - para arrumar.

Este não foi o primeiro da lista que li, mas foi o tal de que agora tenho noção que era demasiado "livro de gente crescida". Não que fosse impróprio para ser lido por pré-adolescentes, mas apenas porque existe um  desenvolvimento da ação que pode não ser compreendido.
 A capa foi a única que encontrei já muitos anos depois, algures na internet e que usei para o forrar (muito mal) porque este nem capa tinha.

Foi a primeira obra narrativa de Orianna Fallaci: a história de uma mulher que, estrangeira em Nova Iorque não hesita em desafiar as convenções (e injustiças) de uma sociedade dominada pelos homens. Giovana não se resigna ao papel doméstico de uma Penélope que tece o pano à espera de Ulisses e sendo ela própria Ulisses,  viaja em busca da sua identidade e encontra-se com um homem que anos antes tinha conhecido em Itália e por quem tinha tido uma paixão de adolescente, acabando por confirmar essa paixão e descobrir que esse homem era fraco e incerto e homossexual. Gio enfrenta corajosamente o triângulo em que se encontra envolvida com Richard (o homem que ela ama) e Bill (o homem amado por Richard).

Já perceberam a minha dificuldade de aos onze anos entender o fim do livro...





Arlette é uma jovem parisiense ex rica, o pai perdeu tudo por negligência e se suicidou por isso, a mãe também faleceu, sobrando apenas ela e o irmão. Este irmão arranja um emprego na África, e Arlette só tem as parentas do interior para se apoiar. Elas são quatro solteironas que usam chapéus verdes. As primas aceitam hospedá-la em sua casa, meio a contragosto, Arlette também detesta a ideia de viver com elas por puro preconceito, ela teme que a influência delas a torne também uma solteirona. Porém, a protagonista, assim como as primas, evolui como pessoa, criando um afeto com elas. Isso começa a acontecer quando Arlette descobre um diário de uma das primas, onde está escrito que esta, era exatamente como ela, uma jovem que pretendia se casar e não pode por circunstâncias alheias à sua vontade. Então ela começa uma investigação para saber qual das primas é a dona do diário, e faz tudo para fazê-la voltar a desejar um amor.

Este livro situa a sua ação nos países nórdicos, sobretudo a Suécia e a Finlândia do pós Segunda Guerra Mundial. Traz-nos a história de duas famílias ligadas por um acontecimento resultante desses seis anos infernais de conflito – o recolhimento por parte de famílias suecas abastadas de crianças finlandesas que estavam em riscos de perder a vida se se mantivessem junto dos pais em território afetado pela guerra. Sendo assim, Anni ou Aino foi uma dessas crianças que se viu apartada da família ainda muito pequenina e cujos quatro anos seguintes foram vividos noutro país, com outros “papás”.
Terminada a guerra, a família Matinoja pretende que a sua filha mais nova regresse ao seu lar. E é então com essa viagem de regresso que a narrativa arranca e nos mostra de imediato o quão penoso será esse retorno para uma menina que nada recorda dos seus pais biológicos ou dos seus irmãos e para a sua família de adoção. Mostra igualmente o outro lado, ou seja, a angústia, ansiedade e afogo daqueles que ficaram, daqueles cujas caras, vozes Anni nada recorda, a não ser em sonhos fugidios.



Este é um livro no género dos livros de Enid Blyton e os Cinco e da lista aqui presente foi dos primeiros a ser lido, se não o primeiro. Infelizmente não me recordo do desenrolar da ação nem dos seus protagonistas. Um mistério passado numa pensão e dois ou três jovens (se não estrou em erro) que vão procurar um barco de marfim que esconde um segredo.
Algo assim que de mais não me recordo... e não encontro nada na net para me refrescar a memória.

Existe um outro livro que lia na altura de Enid Blyton, mas que infelizmente emprestei a alguém e nunca mais vi.


A capa do livro que eu tinha não era esta, mas esta foi a única que encontrei pela internet.


Conforme a maior parte dos livros escritos por esta autora, os protagonistas são um grupo de sete amigos, que a dada altura têm acesso a um telescópio, com o qual começaram a observar um castelo e a aperceberem-se de sombras e movimento. Por se tratar de um castelo que deveria estar abandonado, decidiram ir até lá ver o que se passava. E começa a aventura… é mesmo o estilo da autora.



Não foi este o meu primeiro exemplar deste livro, mas foi o único que consegui num alfarrabista quando o outro levou o mesmo sumiço d'O Segredo do Castelo de Lua.
Tenho ideia que gostei muito, tanto que quis manter o livro na minha coleção, mas sineramente não faço ideia do que trata e não vejo nenhuma sinopse em lado nenhum. Sorry...



Os ultimos dois devo ter lido sensivelmente pela mesma altura e mais crescida. Talvez com os meus dezasseis anos.



Do género policial/thriller a história passa-se em França em 1917.

Véronique d’Hergemond, jovem enfermeira, vive ainda atormentada pela morte do marido e do filho. Um dia, Véronique acredita que viu um recado para si, numa cena de um filme, filmado numa ilha. Véronique parte para o local, que se revela praticamente deserto e sem respostas. Mas algo se passa na ilha. Algo que parece ter uma agenda vingativa contra Véronique.

Não é nenhuma história nunca contada antes, ou diferente de tudo o que já se leu, mas na altura gostei muito e embora tenha algumas incongruências e perguntas sem resposta, lê-se bem.


Já o próximo e último é um livro a sério, com uma história a sério. "Chorarei por Vocês, o romance de F. Faura Peñasco e A Gonzalez Morales, que ganhou o prémio 'Imortal Cidade de Gerona', tem uma tradução cuidada, onde se procurou manter toda a beleza da linguagem dos autores, e fixar sem a menor fuga os seus conceitos".

Assim, com base na intervenção de um grupo de mercenários nas chacinas do Congo ex-Belga, simultaneamente narram-nos em pinceladas fortes passagens da Guerra Civil Espanhola.
Romance de acção intensa, contado de forma absorvente, traça o perfil psicológico de personagens que as circunstâncias reúnem - personagens da nossa época - ao mesmo tempo que vão às suas origens e as descrevem, colocando em paralelo as duas épocas, aquela que os formou, e aquela que os recebe, e os deforma.
Aproveitei uma sinopse que encontrei na internet, porque me parece muito bem apresentada. Para pormenores podem sempre ler o livro. 

Do grupo de livros que reencontrei,  sou capaz de reler este último. Assim que tiver tempo...

segunda-feira, 1 de março de 2021

Marcadores de Livros





Sempre gostei de marcadores de livros e ainda gosto mais quando os podemos personalizar ou até criar do zero, mas será isso razão para usar tantos de uma só vez?

Há uma razão muito simples e que justifica essa multiplicidade.
Todos os anos leio a Bíblia do Genésis ao Apocalipse. Considero esta atividade que se chama "Ano Bíblico" das melhores formas de nos ambientarmos ao Livro e aos poucos com a repetição começamos a saber exatamente em que local da Bíblia determinado livro ou assunto está. Sem contar, que cada vez que lemos descobrimos coisas novas, como acontece em qualquer livro que se leia mais de uma vez.

Já li pela ordem conforme nos são apresentados na Bíblia, já li por ordem cronológica, já que alguns livros que estão apresentados depois de outros tratam na realidade de assuntos anteriores.

Acontece que, dado o tamanho da Bíblia, por vezes estamos no inicio - e o inicio pode ser na página quinhentos e tal - e desejamos começar a ler outros livros mais à frente - e esse mais à frente ainda demora a chegar - de tal forma que muitas vezes vou ler alguns mais adiante e depois retomo a leitura onde a deixei.
Este ano vi uma dica que achei muito interessante: divide-se a Bíblia em seis partes e todos os dias se lê um pouco de cada parte, de forma sequencial claro.
Ou seja, em vez de ler três ou quatro capítulos de um livro, lê-se um, ou mais de cada livro de cada uma dessas partes.

É uma forma muito interessante de fazer o Ano Bíblico e até agora estou a gostar muito.

Acontece que para não me perder (já que a dica dizia para se ir anotando o local de leitura) decidi que iria ter seis marcadores, cada um deles com os nomes dos seis livros do grupo. E para não serem só uma tira de papel com nomes, achei que deveria alindá-los um pouco.







E quando a Bíblia está fechada, é esta confusão de fitas, mas que me simplifica muito organização de leitura. Embora leia a maior partes dos dias por ordem de grupo e por ordem de livros, há dias em que prefiro escolher o grupo e assim vou lendo sem pressa e a leitura está sempre em dia.






quinta-feira, 11 de fevereiro de 2021

A importância da rega

 


Sabemos que as plantas precisam de ser regadas. E mesmo sem conhecimentos de jardinagem suficientes para manter vicosas todas as plantas que por vezes decidimos ter, também sabemos que nem todas exigem a mesma frequência de rega.

Com os blogues passa-se a mesma coisa.

Para que um blogue floresça, tem de ser regado de vez em quando. Ele não se desnvolve sozinho. Não é como algumas redes sociais que mesmo que nós não partilhemos nada há sempre algum dos nossos seguidores que publica por nós.

Tenho este blogue há uns 13 anos sensivelmente e embora tenha tido alturas de muito movimento, como que parou há uns meses atrás e precisa de ser regado porque não vive de memórias.

Isto tudo para dizer que estou de volta, depois de quase meio ano de ausência - até me parece mal dizer meio ano, mas de facto é quase meio ano. A última publicação foi em Outubro, por isso é só fazer as contas...

Considero o blogue é uma espécie de bloco de notas onde escrevo permitindo que alguém leia as minhas notas. Continuo a sentrir por ele o mesmo carinho que senti quando o criei e apesar da rapidez e movimento das outras redes (facebook, instagram, etc) nada se compara a um blogue... mas é preciso regá-lo´para que dê flor. Pelo menos de vez em quando uma gota, mesmo que a flor seja só para nós.